I. Introdução
O avanço da tecnologia tem facilitado transações financeiras digitais, ao mesmo tempo em que surgem novos desafios, como o aumento dos golpes do falso investimento. Nesse tipo de fraude, criminosos convencem vítimas a realizar investimentos que prometem retornos elevados, utilizando plataformas falsas e contas bancárias para desviar os recursos. Nesse contexto, as instituições financeiras desempenham um papel fundamental na prevenção de fraudes, e a sua falha em adotar mecanismos de segurança as insere como corresponsáveis pelos danos sofridos pelas vítimas.
II. A responsabilidade objetiva das instituições financeiras:
No golpe do falso investimento, além de criarem uma plataforma com todas as características de uma corretora legalizada, é comum que os golpistas utilizem várias contas abertas com dados de “laranjas”, geralmente empresas de fachada, abertas para ocultar os reais beneficiários das transferências.
A falha de segurança dos bancos na verificação da autenticidade das informações prestadas na abertura da conta contraria as normas do Banco Central do Brasil, como a Resolução nº 4.753/2019.
Além disso, o descumprimento, por parte dos bancos, quanto ao dever de monitorar as transações atípicas que ocorrem nessas contas, contraria a Carta Circular nº 4.001/2020, também do Banco Central do Brasil.
O descumprimento dessas normas configuram uma falha grave no controle de segurança, permitindo que golpistas utilizem o sistema financeiro para a prática de crimes, atraindo a responsabilidade das instituições financeiras pelos danos causados aos consumidores em decorrência dessa omissão.
Essa responsabilidade, prevista no Código de Defesa do Consumidor ( CDC) e consolidada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determina que as instituições financeiras respondam pelos danos causados aos consumidores, quando a fraude ocorre no âmbito de suas operações.
A Súmula 479 do STJ, em especial, estabelece que os bancos são objetivamente responsáveis pelos delitos cometidos por terceiros nas transações bancárias. Esse entendimento baseia-se no conceito de fortuito interno, ou seja, os riscos inerentes à atividade bancária, como a facilitação de fraudes financeiras.
III. As decisões judiciais sobre falsos investimentos
A jurisprudência recente tem reforçado a responsabilidade dos bancos, conforme se extrai do acórdão prolatado na Apelação Cível 1050584-59.2021.8.26.0506, de relatoria do Desembargador Alexandre David Malfatti, do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 22/11/2022:
“AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. CONSUMIDOR. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FINANCEIROS. Ação de indenização fundada em defeito dos serviços bancários. Autora que foi vítima de golpe do PIX. Primeiro, reconhece-se a falha da instituição financeira em que a autora mantinha sua conta corrente. Assim que realizou a transferência bancária e notou o golpe, a autora entrou em contato com o banco destinatário (BRB Banco de Brasília S/A) para buscar o bloqueio da quantia. Naquele momento, terminou informada de que o bloqueio seria possível pela instituição que operacionalizou a transferência – em que a autora mantinha sua conta – PAGSEGURO. E, apesar do pedido da autora, PAGSEGURO e BRB BANCO DE BRASÍLIA agiram de forma ineficiente, um atribuindo ao outro o início do bloqueio, o que redundou na ineficácia da tentativa de consumação do golpe. Esses fatos (incontroversos), eram fundamentos bastante para responsabilização dos réus. E segundo, tem-se que o BRB BANCO DE BRASÍLIA não adotou cautelas para abertura da conta corrente que serviu de instrumento para fraude via PIX, deixando de trazer para os autos prova de ação em conformidade com recomendações do BACEN, em especial confirmação do endereço. Violação do regulamento do PIX (art. 39, 88 e 89) na parte das cautelas e riscos das operações via PIX. Aplicação da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça. Ressarcimento dos danos materiais no valor de R$ 1.500,00. Danos morais configurados. Montante indenizatório fixado em R$ 8.000,00, que atenderá as funções compensatória e inibitória. Precedentes da Turma julgadora e do TJSP. Ação julgada parcialmente procedente em segundo grau. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.”
Além disso, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 2.052.228 – DF (2022/0366485-2), em 12/09/2023, se posicionado de forma rigorosa quanto ao dever das instituições financeiras de adotar mecanismos de prevenção contra movimentações financeiras atípicas, aplicando a teoria do risco da atividade e determinando a reparação pelos danos materiais e morais sofridos pelas vítimas de fraude no ambiente virtual.
IV. Providências para as Vítimas do Golpe:
Para as vítimas desse golpe, é fundamental preservar todas as provas relacionadas ao site fraudulento, como os resultados manipulados por essas plataformas, as conversas com os falsos consultores de investimentos, além dos comprovantes das transações financeiras realizadas.
Reunindo essa documentação, a vítima deve registrar um boletim de ocorrência e contestar a transação junto aos bancos envolvidos, tanto o de origem quanto o de destino da transferência.
Por fim, caso os bancos responsáveis pelas transações não ofereçam uma solução satisfatória, recomenda-se a orientação de um advogado especializado em fraudes financeiras para avaliar as chances de recuperação do prejuízo por meio de uma ação judicial.
V. Conclusão
Concluímos que a responsabilidade das instituições financeiras em golpes como o do falso investimento é clara e objetiva. O crescimento desse tipo de fraude evidencia a necessidade dos bancos adotarem medidas mais eficazes de prevenção, sob pena de responderem por falhas na prestação de serviços, como previsto pelo CDC e pela jurisprudência brasileira.
Referências bibliográficas:
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. Acesso em: 18 de set. de 2024.
BRASIL. Resolução nº 4.753/2019 do Banco Central do Brasil. Brasília: Banco Central, 2019. Disponível em: < https://normativos.bcb.gov.br/Lists/Normativos/Attachments/50847/Res_4753_v4_P.pdf>. Acesso em: 18 de set. de 2024.
STJ. Súmula 479. Julgado em 27/06/2012, DJe 01/08/2012. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?livre=SUMULA+479&b=SUMU&p=true&tp=T>. Acesso em: 18 de set. de 2024.
TJSP. Apelação Cível nº 1050584-59.2021.8.26.0506 . Tribunal de Justiça de São Paulo, 18 nov. 2021. Disponível em: < https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1702191632/inteiro-teor-1702192488> Acesso em: 18 de set. de 2024.
(STJ – REsp: 2052228 DF 2022/0366485-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/09/2023, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/09/2023). Disponível em: https://storage.googleapis.com/jus-jurisprudencia/STJ/attachments/STJ_RESP_2052228_a655c.pdf?X-Goog-…> Acesso em: 18 de set. de 2024.